(...) "A elevação do homem só pode dar-se pelo caminho da
purificação da vontade, do entendimento e do amor. Há necessidade aí de uma
catarse constante. No segundo grau deve ele prosseguir se libertando de tudo
quanto vicia o que é de mais elevado no homem: a vontade, o entendimento e o
amor.
Vimos nos comentários de Hiérocles que é este o sentido da
sua interpretação e é a de todos os grandes pitagóricos, ou seja: somos um ser
capaz de atingir os graus eminentes, hierarquicamente superiores na vontade, no
entendimento e no amor; por isso não há um pitagorismo que se cinja apenas à
conquistar a liberdade, porque a liberdade sem ser assistida por um
entendimento são e por um amor puro, será imperfeita. Não é apenas cultivar o
entendimento pelo saber, porque o saber sem uma vontade livre, já libertada e
isenta de paixões e sem um amor purificado, servirá mais para o mal do que para
o bem. Da mesma forma, o amor não pode ser apenas um anelo intenso de um bem ou
de algo desejado se não for assistido por uma vontade livre e por um
entendimento purificado porque, do contrário, tudo isso em vez de aproximar da
Divindade, dela nos afastaria. O satanismo também pode atingir uma vontade
livre, um entendimento elevado e pode ter um amor intenso nos mais altos graus,
mas será uma vontade desviada para bens que não dignificam o homem, que não o
elevam. Será um conhecimento que não tende para as realizações superiores, será
o amor dirigido não para aquilo que eleve, mas sim para o que deprime. O grave
erro foi julgar-se que bastava apenas uma vontade livre, um grande saber e um
intenso amor para que o homem atingisse a sua perfeição. Não! É preciso que
essa vontade seja livre das paixões e dirija-se para o bem que o entendimento
ou a inteligência escolheu, e o amor deve estimular e unir tudo isso. Devem
juntos tender para o alto, para o superior, do contrário esse homem, em vez de
subir a escala da perfeição e aproximar-se das virtudes divinas, permanece com
virtudes humanas, que os tornariam poderoso, no campo do mal e não no campo do
bem. Esta distinção, a nosso ver, é muito importante.
Pitágoras e seus discípulos observaram em todas as crenças
(sobretudo ele que viajara e vira os mais diversos povos) os homens prestarem
homenagens aos deuses mais estranhos, porém sempre notou que tinham um anseio
maior ou menor de perfeição. Se seguiam vias erradas era devido a verdade não
estar bem assistida pelo entendimento. Se o ódio, às vezes, dominava, era
porque o amor se desviara e se tornara ódio para tudo quanto impedia a
conquista do bem por eles julgado superior. Compreendeu, então, que nem todos
os seres humanos são capazes de percorrer esta via, que é a iniciação, de
entrar neste caminho e passar as etapas para alcançar, enfim, a
perfectibilização constante da vontade, do entendimento e do amor. Era assim
preferível que estes pelo menos prestassem aos deuses o culto consagrado e
guardassem cuidadosamente a sua fé. O trabalho dos pitagóricos teria que ser
lento e oculto, no maior silêncio. E por que? Porque como poderiam eles ir às
multidões e dizer: “A vossa crença é apenas temor, terror; vós não praticais o mal porque temeis os castigos que a
religião vos ameaça, vós praticais o bem na esperança de obterdes vantagens.
Estais errados, tendes, sim, que seguir outro caminho.” Essa atitude dos
pitagóricos não seria absolutamente construtiva, seria perniciosa! Favoreceria
o ateísmo (cujos estragos foram e são terríveis na História...) daí que, em
primeiro lugar: preparar homens para que se tornassem amanhã os mestres de uma
juventude que, por sua vez, quando adulta, fosse capaz de multiplicar o
verdadeiro conhecimento; e que pudessem resistir à invasão das falsas idéias
que assolavam as escolas e ameaçavam subverter o pensamento. Deste modo dar um
conhecimento profundo, permitindo que o homem atingisse as realizações
perfectivas superiores, tornando-se semelhante à Deus.
Esta
era a única solução e, ainda hoje, o é! Tudo mais tem malogrado porque não
podemos deixar de considerar esta verdade: a maioria dos seres humanos não tem
o conhecimento suficiente, não possui os meios necessários para compreender a
grandeza de uma vida pitagórica. Não podemos contar com o bem espontâneo do
coração humano, porque este é raro ou, pelo menos, o é num grau tão ínfimo que
não vence as paixões e os interesses aguçados por aqueles que sabem como
explorá-los, para tirar vantagens dos mesmos em seu próprio e único benefício.
Eis porque o pitagorismo não podia atuar como atua um partido político, nem como
um simples culto que fala às multidões, procurando transmitir algumas idéias. O
trabalho deles era muito maior e é muito maior hoje em dia. A construção do
homem bom e justo é um trabalho milenar! Se tivesse começado e sido levado em
frente, como Pitágoras pretendia, teria dado maiores frutos do que deu. Este
trabalho é incompreendido por aqueles que tem uma visão estreita, utópica,
quimérica da sociedade, que julgam que basta modificar apenas algumas relações
humanas, mudar algumas situações para transformar profundamente e
essencialmente o homem. Eles demonstram pouco conhecer a realidade da alma
humana, pouco sabem do homem no seu íntimo e não percebem dos graves perigos
que todo o ser humano está exposto. (...)"
(SANTOS, Mário Ferreira dos. Versos Áureos de Pitágoras)
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